SÍLEX 

As matrizes são oriundas de formatos remanescentes que remetem a instrumentos primitivos e instigaram-me a refletir sobre a ação do fogo, e como ele opera a transformação interna da matéria, ao contrário dos gestos incisivos que produzem marcas negativas sobre a matriz.

Marcas, Passagens e Condensações:

Essa série foi produzida entre os anos 2000-2005, subdivide-se em distintas etapas:

Carbonizados I, Carbonizados II e Carbonizados IIIAs imagens desses trabalhos são constituídas por matrizes mínimas, isto é, de pequenos objetos de madeira de uso cotidiano. Nesses trabalhos, o princípio de duplicação e inversão da matriz gravada ainda preserva algumas aproximações no que se refere à transposição invertida para o suporte/papel. No entanto, a impressão provoca uma certa moldagem por adensamento, gerando, simultaneamente, marcas de relevos côncavos e convexos, bem como desenhos inusitados, devido às áreas carbonizadas das matrizes queimadas. A superfície da matriz ocasiona o vazio côncavo na imagem e nas áreas em que as matrizes são retiradas e criam os vazios convexos nas imagens após a impressão.

Sílex I e Sílex II Esses trabalhos instauram-se no espaço tridimensional e, com um movimento mínimo ou mesmo com a proximidade do corpo do espectador, por exemplo, ocorrem movimentos lentos ou rápidos dos papéis. Esses movimentos provocam ritmos simultâneos entre o corpo do observador e a leveza dos papéis translúcidos. Poderíamos dizer que, no limiar desse contato muito sutil, quase invisível entre as matérias, – no entre-dois corpos -, produz-se o infra-fino ou o infra-mince, cuja denominação foi concebida por Marcel Duchamp, referindo-se ao momento ínfimo de passagem do tempo, desse limite infinitesimal no qual alguma coisa acontece.

Sílex III, IV, V e Luas Negras – Nesses trabalhos ocorre uma transformação significativa no procedimento de impressão das imagens. Embora utilize matrizes de madeira de pequenas dimensões, ocorre uma inversão nos procedimentos devido ao uso da parafina como suporte sobre o qual realizo interferências diferenciadas de gravação e impressão.  As matrizes são oriundas de formatos remanescentes que remetem a instrumentos primitivos e instigaram-me a refletir sobre a ação do fogo, e como ele opera a transformação interna da matéria, ao contrário dos gestos incisivos que produzem marcas negativas sobre a matriz. O fogo produz a negação da matéria pela carbonização e desestruturação da matriz e, no instante em que ocorre o contato com a parafina, restos de vestígios são retidos e condensados.

Ao introduzir a parafina como suporte das matrizes carbonizadas, ocorre uma reversibilidade em relação aos meios utilizados anteriormente. Nesses trabalhos, o suporte também transforma-se, interagindo como imagem. Esse procedimento opõe-se ao pensamento original da gravura, no qual se considera o suporte apenas como um fundo neutro, sobre o qual se imprimia a imagem gravada na matriz, a qual também perdia a sua função depois de concluída a tiragem.

 

Luas negras – Esses trabalhos são constituídos por diversos módulos de parafina, configurando-se como uma coluna que se estende e se repete quase ao infinito.

Nessa etapa, os trabalhos retomam apenas os resíduos e as cinzas ao mesmo tempo, observamos a ausência do gesto, da matriz, do fogo, desconstruindo a referência de procedimentos que envolvem os meios gráficos convencionais. O que permanece é uma massa cinzenta e escura que é capturada pelo procedimento da moldagem de forma e contra-forma, gerando no vazio negativo da forma, o bloco positivo. Nesse esvaziamento de qualquer interferência proposital, os blocos mostram-se quase anônimos, porém, concentrados em sua matéria. Paradoxalmente, surgem as Luas Negras, desdobrando-se em suas diversas fases. Nesses trabalhos, talvez, pelo fato de buscar a ausência dos referenciais anteriores, seja evocado o ponto zero da gravura.